Andrea Casas, especialista em sustentabilidade da CIC energiGUNE, discute o papel da reciclagem de baterias no futuro sustentável da Europa.
A reciclagem de baterias, bem como a concepção de baterias que sejam facilmente recicláveis, deixarão de ser uma “melhor prática” na indústria de armazenamento e tornar-se-ão um requisito obrigatório na Europa, previsto para o final de 2023.
A proposta de Regulamento sobre Baterias, que deverá ser aprovada no verão de 2023 e inclui como uma das principais medidas o Passaporte de Bateria e o Plano Industrial do Acordo Verde, incluindo a Lei das Matérias-Primas Críticas e a Lei da Indústria Net-Zero, visa estabelecer critérios únicos a nível europeu em termos de sustentabilidade.
Dentro destes critérios, um dos pilares fundamentais é a reciclagem de baterias. Em primeiro lugar, porque permite abordar todo o ciclo de vida das células ou baterias. Além disso, permitirá reduzir, por exemplo, a dependência do fornecimento de materiais críticos, o que contribuirá para o desenvolvimento e a competitividade da indústria europeia de baterias.
Uma regulação baseada na sustentabilidade e na competitividade
O compromisso europeu é muito claro: garantir o ciclo de vida completo da bateria, desde a sua produção até ao seu fim de vida. É uma visão abrangente que, apoiada neste regulamento, levará todos os estados membros da União Europeia (UE) a garantir o cumprimento a partir de 2024, para garantir as metas climáticas definidas pela Europa para 2050. A sua implementação garantirá, portanto, a homogeneização não só de leis de produção ou financiamento sustentáveis, mas também dos critérios de sustentabilidade aplicados ao setor das baterias.
Um dos aspectos mais relevantes do novo regulamento de reciclagem de baterias é, sem dúvida, o ‘Passaporte Bateria’. A certeza de ter um registo eletrônico fiável e verificável das baterias fabricadas e/ou comercializadas na UE posiciona a Europa como um continente proativo no desenvolvimento de uma indústria limpa, com um modelo claro que talvez possa ser escalado globalmente.
O Passaporte de Bateria é um dos primeiros passos para garantir a circularidade e, portanto, a sustentabilidade do setor das baterias, do ponto de vista da pegada de carbono, da eficiência de reciclagem ou das percentagens mínimas de conteúdo de materiais críticos reciclados em baterias recém-fabricadas. Especialmente se considerarmos que, a partir de 1 de Janeiro de 2030, as baterias terão de garantir percentagens mínimas de materiais críticos reciclados (12% para o cobalto; 85% para o chumbo; 4% para o lítio; e 4% para o níquel), ou que, como a partir de 1 de julho de 2024, terão de apresentar uma declaração de pegada de carbono. O passaporte da bateria é, portanto, fundamental para garantir alguns dos objetivos mais ambiciosos do novo regulamento no setor da reciclagem de baterias.
A médio prazo, este sistema de monitorização será a base não só para controlar a pegada de carbono ou as características técnicas de cada dispositivo fabricado na Europa, mas será a porta de entrada para a criação de um sistema cada vez mais exigente, em que as percentagens mínimas exigidas gradualmente se tornará mais alto. No final, este processo levará ao estabelecimento de um sistema de categorização, no qual os diferentes tipos de baterias serão determinados de acordo com a sua pegada de carbono. Este será mais um elemento de controlo que só poderá ser acedido se a reciclagem for integrada nos modelos de negócio da indústria das baterias como uma estratégia fundamental do ciclo de vida.
Outras implicações dos novos regulamentos estão relacionadas com a minimização dos riscos sociais associados à cadeia de valor das baterias, principalmente na aquisição de materiais críticos. Por último, é indiscutível que, para garantir a sustentabilidade das baterias, é fundamental abordar os seus três pilares fundamentais: ambiental, social e económico, tal como refletido nas diversas iniciativas legislativas aprovadas nos últimos meses.
Pela sua relevância, o cumprimento destas normas será reforçado por uma verificação exaustiva. Isto significa que qualquer bateria fabricada ou comercializada na Europa, ou modificada, estará comprometida em todos os pontos pelos requisitos específicos da sua etiqueta.
Reciclabilidade desde o design
Tudo isso mostra que, para que a indústria de baterias consiga atingir esses objetivos, os modelos de negócios devem ser adaptados e transformados de forma que a reciclagem desses dispositivos seja abordada a partir do desenvolvimento do conceito. É importante não esquecer que é no design que são gerados mais de 80% dos impactos de um produto.
Assim, o ‘eco-design’ surge como uma ferramenta indispensável para o cumprimento dos requisitos da nova regulamentação, apoiado em metodologias específicas como a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV).
A força deste tipo de metodologia é a sua capacidade de identificar, avaliar e quantificar o impacto de um produto ou processo no ambiente, não só durante o seu fabrico, mas também até ao seu fim de vida. Portanto, a utilização da ACV será uma ferramenta essencial na atividade industrial deste setor.
Além disso, neste contexto, não se pode ignorar que o compromisso com a reciclagem de baterias tem uma componente implícita de autoproteção da indústria europeia. Graças a estas iniciativas, espera-se não só minimizar a dependência da Europa de países como a China, mas também posicionar a Europa na corrida pela transição energética.
Outra parte indispensável da nova legislação é a “Lei das Matérias-Primas Críticas”, que, como salientou recentemente a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, contribui para a construção de um contexto regulamentar que visa facilitar um caminho rápido para a transição energética.
No essencial, este é precisamente o objetivo principal da infraestrutura jurídica europeia que está a ser construída. Uma forma muito clara de confrontar as acções dos restantes grandes concorrentes – como os EUA e a sua “Lei de Redução da Inflação” – e de lutar contra a potencial perda de empresas e investimentos que poderiam tirar partido das vantagens fiscais criadas quando necessário em a luta pela liderança mundial.
Consequentemente, não se trata apenas de a Europa ser capaz de acelerar os investimentos e os processos industriais ligados à economia verde, mas também de consolidar e proteger a sua rede empresarial e evitar a fuga de talentos e conhecimentos.
No que diz respeito à tributação, a ‘Lei da Indústria Net-Zero’ foi concebida para facilitar o interesse dos investidores através de incentivos. Contudo, a UE está ciente de que iniciativas “positivas” como esta não serão suficientes. É essencial que seja combinado com ação direta, como garantir o fornecimento de matérias-primas críticas à indústria local ao longo de linhas de tecnologia limpa. É exatamente aqui que a Lei de Matérias-Primas Críticas terá muito a dizer.
Graças a esta norma, a Europa terá controlo sobre a origem das importações, evitando assim uma dependência excessiva de alguns fornecedores. Além disso, permitirá estabelecer com muita clareza a categorização das matérias-primas críticas, estabelecendo mínimos realistas para cada uma delas em termos de extração, processamento, reciclagem de baterias e importação. A percentagem estabelecida para possíveis importações, que em nenhum caso pode ser superior a 65% de um único país fora da UE, destaca-se pela sua elevada taxa desde as fases iniciais.
Abre também a porta a medidas de apoio ao financiamento de projetos estratégicos e à gestão rápida de licenças administrativas e estabelece as bases para a criação de uma economia circular eficiente para as matérias-primas. Além disso, são estabelecidas diretrizes concretas para reduzir o risco de perda de fornecimento, prevendo a obrigação das empresas realizarem auditorias em sua cadeia de fornecimento para que tenham espaço para agir em caso de imprevistos.
Um firme compromisso europeu
Em suma, através destas iniciativas legais e regulamentares, é claro o compromisso e o esforço da Europa para se tornar a referência futura para as tecnologias verdes. No entanto, a luta entre os países pelo futuro da reciclagem de baterias ainda requer cautela e atenção à resposta dos demais concorrentes, especialmente os EUA e a Ásia. É tão importante estar atento às ações dos governos como às das grandes empresas e aos seus investimentos, especialmente aquelas com mercados potenciais fora da Europa.
Em conclusão, este novo quadro regulamentar visa garantir o sucesso de uma das grandes apostas industriais da Europa para a sua competitividade futura. Portanto, é fundamental continuar a desenvolver não só este regulamento, mas também todos os avanços científicos e tecnológicos que garantam a concretização destes objetivos e o seu cumprimento o mais rapidamente possível, mantendo o ecodesign e a reciclagem como pilares fundamentais no desenvolvimento de um indústria de baterias competitiva e estratégica.
Fonte: Innovation News Network
Disponível em: https://www.innovationnewsnetwork.com/ensuring-sustainability-and-competitiveness-of-battery-recycling/33033/